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Dia da Consciência Negra - Porque o feriado do dia 20 de novembro ainda sofre tanta resistência no Brasil?

08 de Novembro de 2013 às 11:03:39

Prof.Dr.Hélvio Alexandre Mariano

Dehis-Unicentro



Em março de 1991, o motorista negro Rodney King,  foi filmado sendo agredido por policiais na cidade de Los Angeles. King foi parado por excesso de velocidade por quatro policiais, que lhe bateram mais de 50 vezes, com chutes e disparos com armas de choque. A agressão contra King, foi filmada por um cinegrafista amador e em poucas horas os Estados Unidos e o restante do mundo tomavam conhecimento da brutal agressão. Os tempos eram outros, não existiam as redes sociais de hoje, e mesmo assim as imagens correram o mundo provocando indignação e revolta contra os atos praticados pela polícia de Los Angeles.

Apesar de fartas provas e das imagens da agressão contra King, o Tribunal do Júri de Los Angeles, composto por jurados brancos, absolveram todos os envolvidos do caso. Em minutos, um dos maiores levantes da história americana era iniciado por ativistas negros e defensores dos direitos humanos, deixando mais de 55 mortos e milhares de feridos na cidade em outras partes do país.  Para conter o levante, foi imposto o toque de recolher e o governo americano convocou a Guarda Nacional para reprimir a sua própria população.

Ao olharmos para o levante de Los Angeles, no ano de 1992, precisamos destacar que além da violência utilizada de forma desproporcional contra um cidadão americano, o que tivemos foi a repetição de um ato corriqueiro de agressão seguida de absolvição de crimes praticados contra negros, mulheres, crianças e a população pobre. Os fatores que levaram a uma das maiores revoltas do povo negro em Los Angeles em 1992, ainda estão presentes nos mais diversos países onde a população negra está presente. Violência que pode ser observada em vários aspectos, que vão muito além da agressão física. Muitas vezes a agressão é silenciosa, simbólica. Uma tentativa de apagar a história.

Tentativa esta que assistimos no dia 04 de novembro de 2013, quando em uma decisão arbitrária e unilateral, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, acabou com o feriado local em Curitiba-PR, do dia da consciência negra, ao acatar o pedido da Associação Comercial do Paraná (ACP) e do Sindicato da Construção Civil do Paraná (Sinduscon-PR). Os argumentos financeiros utilizados para o cancelamento do feriado ferem a inteligência de qualquer cidadão, pois qualquer economista pode provar que feriados são lucrativos para outras pontas do sistema de serviço, gerando inclusive mais recursos do que os levantados pelos órgãos patronais para pedir o cancelamento do feriado. A justificativa  de que o feriado é inconstitucional, é ainda pior, fazendo deste debate algo parecido com o do levante de Los Angeles, onde discutir a legalidade das filmagens estariam acima da violência praticada contra o  motorista negro Rodney King.

O que de fato devemos debater aqui é o papel do dia 20 de novembro, mais sem entrar num debate financeiro e sim de Consciência e de Memória. Memória de Zumbi e da população negra por sua liberdade e da consciência negra, da consciência negra e da resistência à escravidão, defendida pelos  governos brancos e tribunais, e sentida na pele por milhões de homens, mulheres e crianças retiradas à força de sua terra, separados de sua família e da sua cultura para servirem ao eterno capital, que hoje reclama prejuízo financeiro pelo feriado do dia 20 de novembro. O que estamos debatendo aqui é o papel da consciência negra, da sua luta e da sua resistência, para derrotar o mais brutal sistema de opressão e violência em nome do capital, que foi o sistema escravista brasileiro.

Lembrar de  Zumbi, é lembrar da resistência contra a escravidão, contra a opressão do sistema colonial e pela liberdade incondicional de todos os homens e mulheres, negros e brancos, mulheres e homens. É lutar contra todas as formas de violência, reais e simbólicas, é refletir sobre o papel da consciência negra sim, como elemento transformador da sociedade brasileira.

Infelizmente o caminho da nossa justiça não é em nada diferente da americana em 1992. Ela caminha para discutir filigranas constitucionais e não o papel da consciência como força transformadora da sociedade e da realidade social que ainda exclui parcelas significativas da população negra do Brasil ao acesso a direitos básicos garantidos também por esta  mesma norma constitucional, como o direto à moradia, alimentação, segurança, emprego, lazer..etc. Mais neste ponto, o silencio da justiça é assustador, ao contrário da velocidade em acatar pedidos do capital privado para tentar impedir o feriado do dia 20 de novembro, utilizando a mesma norma constitucional negada desde sempre a ampla maioria da população Brasileira. Dia 20 de novembro é dia de lembrar de Zumbi, da sua luta. Dia 20 é  dia da Consciência Negra, com ou sem feriado.

Fonte: Jornal Diário de Guarapuava