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Cotas Raciais: o incomodo dos que detém privilégios

21 de Novembro de 2014 às 14:00:20








Luara Paula Vieira Baia **

O debate sobre as ações afirmativas para a população negra não deve ficar restrito somente a novembro, mês da Consciência Negra

A Lei nº 12.711 aprovada em 2012 que garante a reserva de 50% das vagas em universidades federais para estudantes autodeclarados negros, pardos e indígenas de acordo com o as definições feitas pelo IBGE (Instituto de Geografia e Estatística), assim como aos estudantes de baixa renda que tenham estudado apenas em escolas públicas ainda não é aceita por boa parte da sociedade brasileira, parte essa que não se dá ao trabalho de olhar para além de seus privilégios, assim cabe perguntar: por que essa Lei incomoda tanto essa medida ?

Quando o assunto são as cotas raciais é sempre nítido o desconforto que ele causa nos mais diferentes grupos. Não importa se a discussão é feita em um grupo de amigos, na sala de aula, no trabalho ou na frente da TV de nossas casas. Falou-se em cotas raciais instaura-se uma grande polêmica, passam todos a proferir seus "conhecimentos" sobre o tema. Por que? Deveria ser a pergunta feita por aqueles a quem as cotas raciais incomodam. Por que a possibilidade de integração de grupos socialmente marginalizados irrita tanto a alguns?
Não é difícil pensar as razões da rejeição que esse assunto traz, a ponto de ser deixado de lado pelas universidades que ainda não adotaram o sistema e de não ser visto com importância nas discussões em salas de aula Brasil afora. E, principalmente, não ser um assunto que se deseja discutir. Esse desdém sobre a temática está intrinsecamente ligado ao lugar de privilégio que alguns grupos ocupam na esfera social. Por que discutir algo que não está entre as prioridades das elites, cujos direitos nunca foram negados? Nesse contexto rever privilégios nunca foi cogitado.
Discutir cotas raciais demanda que a "branquitude" reveja seus lugares na sociedade, exige que olhe para a história com seriedade e abra-se um debate sem desonestidade intelectual. É preciso superar a tão superestimada meritocracia e analisar com empatia as dificuldades da população negra. De fato a tarefa não é fácil, visto que para algumas pessoas isso nunca foi cogitado pensar antes, estão a tanto tempo imersos em privilégios sociais, materiais e simbólicos que olhar por outra perspectiva assusta, mais que isso, incomoda e muito.
O incomodo que uma lei traz aos que detêm privilégios é capaz se desenrolar, por muitos, mitos a respeito da mesma. Não é difícil ouvir dos que são contra as cotas argumentos levianos do tipo: "as cotas são uma medida racista"; "cotas baixarão o nível das universidades"; "não é possível saber quem é negro no Brasil, visto a grande miscigenação que temos". Sobre essas afirmações há só uma coisa a ser dita: desça do pedestal de seu privilégio. É preciso que essas pessoas olhem a vida real, contem, caso considerem necessário, quantos colegas negros eles têm ou tiveram na universidade, quantos professores, quantos médicos e dentistas eles conhecem que são negros e mais que isso, quantos dos negros que eles conhecem estão em ocupações de menor prestígio social. Se depois disso essas pessoas ainda conseguirem considerar as cotas uma possível medida injusta com a população branca, não há muito a dizer além de que há uma grande má vontade intelectual e uma estratégia de segregação muito bem elaborada em nossa sociedade.
Afirmações que consideram a possibilidade de que alunos cotistas "baixariam" o nível das universidades são, comprovadamente, uma falácia. Estudos comprovam que alunos cotistas tiram notas maiores ou iguais a de não cotistas em diversas universidades brasileiras, como por exemplo UFPR, UEL, UERJ e a UNB, onde o sistema foi implantado, comprovando que as cotas em nada comprometem a universidade, ao contrário, possibilita acesso a grupos que vem sendo excluídos dos espaços de poder há muito tempo.
Portanto, discutir cotas raciais é um dever de todos aqueles que desejam uma sociedade justa, com menos desigualdades sociais, raciais e maior possibilidade de ascensão à população negra. Dispor-se ao debate é de extrema importância para reconstruirmos nossa sociedade que desde sempre tem sido conivente com a marginalização de um povo que construiu esse País com o próprio sangue.
O debate sobre as ações afirmativas para a população negra não deve ficar restrito somente a novembro, mês da Consciência Negra, ele deve se estender a todos os meses do ano, a diferentes espaços, à nossa cidade e à nossa universidade, porém deve estar pautada em dados concretos, com base na efetivação do projeto de uma sociedade pautada nos valores de equidade. Porque Consciência Negra é todo dia e as cotas raciais são um direito do Povo Preto!

Marivânia Conceição de Araujo *



*  Professora titular do Departamento de Ciências Sociais.
Coordenadora do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (Neiab-UEM).
Mestre em Ciências Sociais  em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.




**Professora de Sociologia da rede pública de ensino.
Graduada em Ciências Sociais pela UEM.
Desenvolveu pesquisa sobre raça e gênero através do Pibic.
Membro do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros
(Neiab-UEM).