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APP-Sindicato e UFPR promovem pesquisa sobre sofrimento docente. A pesquisa pretende identificar o nexo-causal (o trabalho como fonte de adoecimento) para propor medidas ao governo de promoção e prevenção da saúde dos ed

04 de Abril de 2014 às 14:33:06

Embora a incidência de adoecimento dos servidores públicos estaduais seja elevada, as informações referentes a tais casos são de difícil acesso. Isto ocorre, muitas vezes, por não haver notificação, registro e sistematização adequados ou devido entraves provocados pelos trâmites burocráticos que se interpõem.

A APP-Sindicato reforça que a administração pública estadual não comunica adequadamente os adoecimentos relacionados com o trabalho, subnotificando os mesmos e impedindo, dessa forma, o recebimento dos benefícios trabalhistas aos quais os servidores teriam direito.

O não estabelecimento do nexo, além disso, oculta a determinação do adoecimento, impedindo que mudanças necessárias para tornar o trabalho um processo predominantemente protetor e não destrutivo da saúde sejam estabelecidas.  A produção de informações, por outro lado, permite identificar os processos geradores de saúde e doença, além das possíveis soluções, passos fundamentais para a melhoria da condição de vida e saúde desses trabalhadores.

Neste sentido o Núcleo de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná (Nesc/UFPR), em parceria com a APP, iniciou, em 2012, uma pesquisa envolvendo equipe multidisciplinar de discentes dos cursos de Medicina e Psicologia, além de docentes de Enfermagem e Medicina. Farão parte desta pesquisa os docentes de Curitiba e região que compões os núcleos sindicais: Curitiba Norte, Curitiba Sul, Curitiba Metro-Norte e Curitiba Metro-Sul, no sentido de desvelar a gênese dos processos de adoecimento de professores da rede pública estadual de ensino com sofrimento mental e verificar seu nexo com o trabalho.

Tal processo de investigação tem proporcionado momentos de grande crescimento cognitivo pelo contato mais próximo com as condições de vida dos professores, como pela revisão da literatura sobre o tema. A bibliografia disponível é farta em demonstrar que a categoria profissional docente tem adoecido cada vez mais e que o processo de adoecimento precisa ser esclarecido e enfrentado de modo adequado.

Em estudos sobre condições de trabalho e saúde de professores, observou-se uma relação direta entre o aumento de fatores estressores no trabalho e níveis elevados de fadiga, alterações do sono, transtornos depressivos e consumo de medicamentos. No trabalho do docente, entre os fatores estressores de maior relevância encontram-se os relacionados ao ambiente de trabalho, conteúdo do trabalho, condições organizacionais, estabilidade no emprego, salário, relações sociais no trabalho, carga de trabalho, autonomia, reconhecimento e valorização profissional. Ou seja, são cada vez mais frequentes classes superlotadas, baixos salários, escassos recursos materiais e didáticos, excesso de carga horária, falta de participação nas políticas e planejamento institucionais. O professor tem, ainda, a obrigatoriedade de desempenhar inúmeras funções dentro do âmbito escolar além de ministrar aulas: disciplinador e solucionador de problemas sociais dos alunos, bem como conflitos ocasionados pela expectativa de pais, administradores e comunidade (GASPARINI, 2006; BATISTA, 2010; SOUZA, 2011).

Em estudo realizado na cidade de João Pessoa, observou-se que mais da metade dos professores possuía muito baixa realização pessoal no trabalho. Trabalhavam 40 horas semanais ou mais e acreditavam que a profissão era causadora de estresse. Observou-se, ainda, relação direta entre esses dois últimos critérios e a exaustão emocional (BATISTA, 2010). Em outros estudos a exaustão emocional também foi relacionada à grande quantidade de alunos atendidos (VERCAMBRE, 2009; SOUZA, 2011).

Em pesquisa realizada em Belo Horizonte, houve uma associação entre a prevalência de transtornos mentais e a percepção negativa do trabalho, assim como condições precárias de trabalho e ambiente físico da escola. Neste estudo mais de 50% da amostra possuía algum tipo de transtorno mental (GASPARINI, 2006).

Em Vitória da Conquista, dos 808 professores participantes da pesquisa, 55,9% apresentou transtornos psiquiátricos menores, resultado que encontrou relação com aumento de carga horária semanal, trabalho com alta exigência e grande demanda (REIS, 2005). Também foi encontrada relação entre o exercício da docência em áreas desprivilegiadas e aumento de exaustão emocional e despersonalização (VERCAMBRE, 2009)

Numa avaliação da saúde de professores do ensino básico da cidade de São Paulo, concluiu-se que o tempo prolongado no exercício do magistério, o número excessivo de alunos em classe, as jornadas extenuantes, o acúmulo de responsabilidades transferidas à escola, o desgaste na capacidade de trabalho e a desvalorização do magistério são fatores que, de maneira cumulativa, estão adoecendo o professor. (SANTOS, 2005).

Outro estudo, realizado por Vedovato e Monteiro (2008), em nove escolas estaduais de Campinas e São José do Rio Pardo, tinha como objetivos caracterizar o perfil sociodemográfico, estilos de vida, condições de saúde e de trabalho de 258 professores. A amostra foi composta por mulheres (81,8%) e homens (18,2%), sendo casados (60,8%), com média de idade de 41,4 anos (DP 9,2), que realizavam atividade física (56,6%), lazer (93,4%) e tarefas domésticas (88,4%). Quanto à saúde, 20,9% não dormiam bem à noite; 82,1% possuíam doença com diagnóstico médico: músculo-esquelética e respiratória (27,1%); acidentes e doenças digestivas (22,1%) e transtornos mentais (20,9%). Tais doenças estavam relacionadas aos riscos relatados: movimentos repetitivos, presença de poeira de giz, trabalho estressante, longas jornadas, atividade em mais de uma escola e baixa remuneração. Além disso, os pesquisadores apontaram os fatores de riscos recorrentes: ruído, uso constante da voz, movimentos repetitivos, trabalho estressante, cansativo e desgastante tanto mental como fisicamente.

Quando às condições de trabalho geradoras do sofrimento, existe certo consenso na bibliografia em torno de questões como: os baixos salários, as precárias condições de trabalho, a dupla jornada das professoras (domestica e profissional), a falta de tempo para si, a angústia gerada pelas exigências sociais da atividade (Zacchi, 2004);  a complexidade das tarefas desenvolvidas e a falta de recursos materiais; os problemas sociofamiliares dos alunos; os ritmos de trabalho, a multiplicidade de tarefas diferenciadas e simultâneas, a pouca frequência de pausas, as cargas psíquicas acumuladas, a falta de valorização do trabalho realizado, o estado psicológico dos alunos, a burocratização e "rotinização" das atividades educativas, a prescrição do trabalho, as dificuldades nas relações com as famílias dos alunos, a falta de diálogo com a administração; a violência na escola, a necessidade de outras atividades como forma de aumentar a renda; o trajeto frequentemente longo entre casa e local de trabalho (Carneiro, 2001); o trabalho em mais de uma escola, a necessidade de realização de parte do trabalho no universo doméstico (preparação de aulas, correção de provas), a dificuldade de participação, em cursos de aperfeiçoamento (Oliveira, 2001); a expansão dos contratos de trabalho para horistas e as políticas educacionais autoritárias (Pereira, 2000); a perda de autonomia e a divisão do trabalho, o aumento das exigências cognitivas, a insegurança quanto a demissão (Lima, 2000); agressões, salários em atraso, falta de concursos públicos para provisão de cargos e o consequente crescimento da contratação temporária (Mascarello, 2004); a imagem errônea da opinião pública sobre o professor e a cooptação de professores pela administração (Santos, 2004); as novas exigências de qualificação, como polivalência, qualificação técnica, participação criadora, mobilização da subjetividade, capacidade de diagnosticar e de decidir (Gasparini, 2005); o sentimento de culpa por não dar conta satisfatoriamente de todas as atividades, a dificuldade de se estabelecerem espaços de intercâmbio de ideias, principalmente pela falta de tempo, a insuficiência de laços de cooperação, a falta de comunicação, a forma como vem sendo implantada a avaliação continuada (entendida como obrigação de aprovar alunos), a padronização do currículo e dos métodos de ensino, a falta de acompanhamento técnico (Neves, 1999); a necessidade de atender pais e alunos, inclusive em horários de pausa e alimentação (Gomes, 2002).

As condições que prejudicam a saúde dos professores se estão muito bem estabelecidas nos diversos estudos, não tiveram como base a nossa realidade, embora possam coincidir.

Levantar tais condições em nossa realidade e compreender sua gênese, ou seja, o que faz com que os professores sejam submetidos a tais condições é a tarefa necessária à qual estamos nos propondo.

A pesquisa tem, ainda, o propósito fundamental de contribuir para a autonomia dos professores na identificação de suas necessidades de saúde e o conseqüente fortalecimento da luta pela conquista de condições de vida em geral e de trabalho, em particular, mais saudáveis.

Para tal, além de questionários para a obtenção dos dados, realizaremos oficinas para a elaboração de "matrizes de processos críticos", instrumentos de identificação autônoma de necessidades de saúde elaborado por Jaime Breilh, expoente da pesquisa em saúde Coletiva.

A pesquisa não será fácil. Seja por sua dimensão, seja pelo objeto de investigação, mas estamos confiantes por contarmos com a colaboração de professores da rede pública, gente calejada no fazer acontecer a vida diante de grandes dificuldades.

Idemar Vanderlei Beki e Guilherme Souza Cavalcante de Albuquerque

Fonte: APP Sindicato