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Pelas tabelas: Uma Copa sem festas populares

10 de Maio de 2014 às 16:11:54


Tudo se transformou num grande evento midiático. Cada passo é calculado meticulosamente



Hélvio Alexandre Mariano, docente do DEHIS-UNICENTRO





Prefiro as festas juninas, festejar o São João, São Pedro e Santo Antônio, que ainda não foram privatizados pela Fifa (Foto: Alfredo Volpi)



Em tempos de convocação para a Copa do Mundo de Futebol, ou melhor, para a agora Copa do Mundo Fifa, que se tornou dona do futebol, das competições e, por consequência, do país que é escolhido para sediar o seu evento. Tudo se transformou num grande evento midiático, cada passo é calculado meticulosamente e uma simples entrevista de divulgação de 23 jogadores para compor o esquete canarinho que disputará os jogos de 2014 deve gerar cifras astronômicas para os atuais donos do futebol brasileiro, para as redes de televisão e para as empresas patrocinadoras.

Um exemplo da privatização de uma das paixões dos brasileiros, que são os jogos da sua seleção de futebol e as festas populares que são tradicionais nos dias de uma Copa do Mundo - o que deveria ser declarado patrimônio imaterial do país - é a absurda taxa cobrada Fifa, de mais de 30 mil reais, para que os donos da bola, ou melhor, da festa, permitam que um grupo de apaixonados torcedores possa reunir dezenas de vizinhos na sua rua, pintar as calçadas e enfeitar os postes com as tradicionais bandeirolas verde-amarelas que substituem nesses dias as bandeiras juninas, misturando duas grandes festas populares brasileiras, o São João e os jogos da seleção brasileira.

Porém, neste ano, é melhor ficar com a festa do santo popular, com suas danças e comidas típicas, e deixar a festa da Fifa para quem possa pagar os mais de 30 mil reais, segundo o que está previsto no Regulamento para Eventos de Exibição Pública da Copa do Mundo de 2014, elaborado pela própria Fifa e TV Globo. Se a transmissão for pública, só escutando o Galvão Bueno, caso contrário, se prepare para pagar os mais de 30 mil reais.

Nesses dias de cobranças abusivas, de privatização dos espaços públicos e, agora, das festas populares, recordo a canção de Zé Ramalho, aquela em que o cidadão está admirando o novo edifício que ajudou a levantar, ou quem sabe um dos 12 estádios padrão Fifa, onde foram para ele um tempo de aflição, quatro conduções, duas para ir, duas para voltar. Mas hoje, depois dele pronto, o cidadão olha para cima e fica tonto, mas vem um cidadão, ou no caso dos jogos, o governo vem junto, e diz desconfiado, "tu tá aí admirado ou tá querendo roubar?". O domingo do cidadão está perdido, volta para casa entristecido e tem vontade beber, pois agora nem pode olhar para o prédio que ajudou a erguer.

No caso da Copa, além de nem poder comprar um dos milhares de ingressos, cujos preços impedem os mortais trabalhadores brasileiros de adquirir uma das entradas, não poderá chegar nem perto do prédio que ajudou a construir. Isso porque uma lei restringe o acesso às proximidades dos novos estádios, ou melhor, "arenas" - só podia mesmo ter esse nome, afinal, se lembrarmos o nome do presidente da CBF e sua história na ditadura militar e seu partido político, fica fácil entender muito do que vem ocorrendo no país. Mas esta é outra história, que nestes 50 anos do Golpe Militar ainda precisa ser esclarecida, para que uma parte do país não seja privatizada e entregue a uma empresa multinacional que por quase 60 dias se torna dona de um pedaço do país, com o único objetivo de lucrar cada vez mais.
Como afirma Chico Buarque, na música Pelas Tabelas, no trecho que diz "quando vi um bocado de gente descendo as favelas, eu achei que era o povo que vinha pedir a cabeça de um homem que olhava as favelas, minha cabeça rolando no maracanã", porém, contínua a letra a dizer que no momento em que "viu a galera aplaudindo de pé as tabelas, jurou que era ela que vinha chegando, já que sua cabeça andava pelas tabelas, porém, ninguém se tocava com sua aflição, quando viu todo mundo de blusa amarela".

Blusa amarela e festas descendo as favelas não parecem ainda fazer parte da maior parte do país, o que existe é uma enorme desconfiança por parte dos brasileiros em relação à sua maior paixão: o futebol e sua seleção. Porém, em poucos dias pode ser que os aflitos sejam de fato atropelados pela massa de blusa amarela. Mas que devem descer as favelas não para ver a bola rolar nas chamadas arenas, mas para cobrar um padrão de vida aos moldes do que o governo tem dado a uma entidade estrangeira chamada Fifa.

Como diz a canção de Zé Ramalho, hoje para aumentar o meu tédio, nem posso olhar para o prédio que ajudei a pagar com meus impostos, e como diria Cazuza, Brasil, mostra tua cara, quero ver quem paga para a gente ficar assim... Afinal, não me convidaram pra essa festa pobre, que os homens armaram para me convencer, a pagar sem ver toda essa droga que já vem malhada antes de eu nascer. Prefiro as festas juninas, festejar o São João, São Pedro e Santo Antônio, que ainda não foram privatizados pela Fifa, apesar das restrições que as cidades impõem cada vez mais à realização de festas populares, podemos ainda pendurar nossa bandeirolas, erguer os paus de sebo com prendas no alto, tomar quentão e comer pipocas sem pagar royalties para empresas estrangeiras, formando quadrilhas, apenas para dançar.

Fonte: Jornal Diário de Guarapuava