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A repressão política e as Universidades. Encontro Sul e Sudeste da Comissão da Verdade do ANDES-SN debate ditadura e repressão

01 de Dezembro de 2014 às 23:49:53

"Queremos a verdade e, sobretudo, justiça. Não aceitamos condescendência em relação a crimes de lesa-humanidade, contra os direitos humanos", afirmou Márcio Antônio de Oliveira da Comissão da Verdade do ANDES-SN, durante o Encontro Regional Sul e Sudeste da Comissão da Verdade do ANDES-SN, realizado no Rio de Janeiro.

O encontro, com o tema "A Ditadura Empresarial-Militar e a Repressão aos Sindicatos e aos Movimentos Populares", foi o último encontro preparatório ao Encontro Nacional da Comissão da Verdade do ANDES-SN, marcado para 21 e 22 de fevereiro de 2015 em Brasília (DF). Márcio lembrou que a constituição de uma comissão própria do movimento docente foi aprovada no 32º Congresso do Sindicato Nacional, em 2012, também no Rio de Janeiro. "Para nós, é simbólico realizar essa atividade aqui", disse, durante a mesa de abertura. Antes da atividade realizada no Rio de Janeiro houve dois encontros, um em Fortaleza (etapa Nordeste) e outro em Belém (Norte e Centro-Oeste).

As universidades e a Comissão Nacional da Verdade

De acordo com Angélica Muller, pesquisadora sênior da Comissão Nacional da Verdade (CNV) instituída pelo governo federal, o documento oficial da comissão terá cerca de mil páginas, sendo quarenta delas dedicadas exclusivamente às universidades. Essas instituições, sobretudo as públicas, foram palco de parte importante das graves violações de direitos da ditadura civil-militar de 1964-1985. A pesquisadora afirmou que o relatório "é um ponto de partida",  não de chegada. E reconheceu que os trabalhos de investigação sobre os regimes autoritários do país devem seguir.

Angélica, no entanto, fez um balanço positivo do levantamento de informações. "Estamos falando de um riquíssimo legado para as pesquisas e futuras gerações. Um volume grandioso de documentos foi digitalizado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade de Brasília (UnB). A Universidade Federal do Ceará (UFC) fez um banco de depoimentos. E, na Universidade Federal da Bahia (Ufba), a reitoria liberou toda a documentação recebida pela universidade durante todo o período de exceção", contou.

A representante da CNV deu ênfase a "novos elementos" revelados, como o assassinato de um estudante na Universidade Federal do Pará (Ufpa), em sala de aula, por um Policial Federal em 1981. Outros exemplos citados foram o mapeamento das ocupações de universidades por militares, "tanto as cinco no UnB como outras desconhecidas, como a da Universidade Estadual Paulista (Unesp)", a apuração dos esquemas para pagamento de profissionais de espionagem e repressão dentro das universidades, "por fora dos orçamentos do Ministério da educação" e o desmonte, logo após o golpe de 1964, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), "criada por João Goulart".

Depoimentos

O encontro reservou momentos de grande emoção. As professoras Ana Maria Ramos Estevão (Unifesp), Mariléa Venâncio Porfírio e Maria Auxiliadora Santa Cruz (as duas últimas, da UFRJ) deram seus depoimentos sobre os anos de chumbo da ditadura empresarial-militar. Duas delas, Ana Maria e Mariléa, foram presas e torturadas nos porões da repressão. Maria Auxiliadora, mais conhecida como Dora, tem um irmão desaparecido político, Fernando Santa Cruz, à época estudante da Universidade Federal Fluminense (UFF).

"Fomos vendados com capuz preto e recebemos ordens de não falarmos com ninguém durante o percurso feito em alta velocidade, ainda sob ameaça das armas, até a 36ª Delegacia de Polícia, sede da Oban (Operação Bandeirantes), informação que obtive muito tempo depois", contou a professora Ana Maria, da Unifesp, a primeira a falar. Ela leu seu depoimento dado à Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. A professora foi presa pela primeira vez em 1970. "Fui colocada na cadeira do dragão, onde fui interrogada. Durante muito tempo levei choques na orelha, nos dedos dos pés. Fui amordaçada com um pano imundo para não gritar".

Ana Maria falou sobre o cinismo dos torturadores. "Sempre que um interrogador se cansava, outro vinha substituí-lo na ??maquininha?? do choque. Durante toda a noite fomos interrogados sob este método. Em alguns momentos, eles paravam os choques para que eu pudesse ouvir os gritos que vinham das outras salas". Na manhã seguinte, ela foi despida e colocada no pau de arara: "Continuaram o interrogatório e os choques. Desta vez, na região do púbis".

"Durante vários anos, após as prisões, acordava aos gritos à noite e minhas mãos tremiam involuntariamente, em consequência dos choques elétricos que recebi. Foram precisos anos de tratamento psicológico para que eu pudesse dormir tranquilamente", disse, emocionada. A docente ficou no presídio Tiradentes (em SP), até 28 de março de 1971, na mesma cela da presidenta Dilma Rousseff. Em agosto de 1972, Ana Maria foi presa novamente. Permaneceu na cadeia por uma semana. Em agosto de 1973, acontece uma nova prisão. É libertada em setembro do mesmo ano.

*Editada por ANDES-SN.
Fonte: Adufrj-SSind