Notícias

Especialistas apontam falta de diálogo do MEC em torno da Base Comum de educação

20 de Janeiro de 2016 às 17:56:41

O projeto faz parte do Plano Nacional de Educação aprovado em 2014 e tem levantado polêmicas, como a proposta de promover uma "equidade na formação dos alunos".


Por Bruno Pavan,


Da Redação Brasil de Fato


Está no site do Ministério da Educação, até o próximo dia 15 de março, a consulta pública para a Base Comum Educacional. No entanto, o projeto, que faz parte do Plano Nacional de Educação aprovado em 2014, levanta polêmicas.













 
   

Um dos problemas levantados por especialistas é o fato do projeto promover, como explica o Ministério da Educação, uma "equidade na formação dos alunos e [que] servirá de norte para os professores em sala de aula”. A professora do Departamento de Educação da Universidade de São Paulo (USP), Lisete Arelaro, não vê com bons olhos a possibilidade de padronizar o ensino, pois ele pode, por exemplo, passar por cima de diferenças regionais.


“Isso é uma bobagem e um retrocesso político e pedagógico. Entramos na década que começamos a debater a importância da diversidade, do atendimento aos diferentes grupos sociais na escola. Eu sou paulofreiriana de formação e, se há uma coisa que nós não acreditamos é que possa existir um conteúdo que um especialista diz 'esse livro é essencial e aquele não'. Há uma preocupação muito grande se a Base Comum for aprovada”, critica.


Já a coordenadora do Instituto Paulo Freire, Sônia Couto, reforçou a importância de uma Base Nacional Curricular para o Brasil, mas pontuou que a autonomia das escolas precisa ser garantida em todo o processo.


“O currículo se insere neste espaço como um organizador da vida escolar. É no currículo que se inscrevem os sonhos, os desejos, as aspirações dos diferentes sujeitos que ali convivem, portanto, as propostas curriculares devem ser elaboradas pelos sujeitos envolvidos no processo educativo”, afirmou.


Por outro lado, o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, analisa que o que está em discussão no MEC é uma Base Comum e não, propriamente, um currículo em que todas as escolas terão que seguir acriticamente.


“Essa Base deve ser superada em cada rede de ensino e escola de forma a garantir que os alunos tenham um currículo mais avançado e apropriado para a sua realidade. Eu concordo que a gente precisa tomar cuidado com o processo, mas não dá pra tapar o sol com a peneira, alguma padronização tem que ocorrer”, disse.


Críticas da direita


Na semana passada o historiador Marco Antonio Villa publicou um artigo no jornal O Globo em que aponta a proposta como doutrinadora. Segundo ele, o “Ministério da Educação está preparando uma Revolução Cultural que transformará Mao Tsé-Tung em um moderado pedagogo, quase um 'reacionário burguês'”.


Contrapondo isso, Cara aponta que a crítica é “completamente fora de sentido”. “A área de história de fato está frágil, isso precisa mudar, mas nada do que está posto ali corre um risco de gerar um processo de doutrinação ou redução da criticidade”, disse.


Na mesma linha, Sônia Couto avalia que o foco em história da África é o que há de mais inovador na base curricular e que isso significa não significa uma 'doutrinação', mas uma mudança de paradigma e olhar histórico nas escolas brasileiras.


“Durante todos estes anos o foco central desta área tem sido o ensino da história da Europa, sob o olhar do colonizador. Pouco se estuda sobre a história da América Latina e da África a partir do olhar dos povos colonizados. Há diferentes formas de doutrinação e os currículos, até então, optaram pela forma mais perversa: o silenciamento, a invisibilidade e a inferiorização dos povos oprimidos”, explicou.


Falta de debate


Os três especialistas concordam, porém, que o debate feito pelo Ministério da Educação durante todo esse processo está 'deixando a desejar'. Lisete Arelaro afirma, por exemplo, que a discussão não está sendo levada para as faculdades nem para os sistemas de ensino municipais e estaduais. “Se você pegar uma prefeitura como São Paulo, você não vê o debate correndo na rede. Infelizmente, fica muito evidente que esse caso é pra legitimar uma questão praticamente certa”, disse.


O coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação endossa a reclamação afirmando que o método de consulta pública do ministério não foi o ideal e que é necessário mais participações qualitativas para que a legitimidade da Base possa ser construída.  


“É envolver pessoas como a Lisete, que tem posições fortes, mas são elas que formam os professores e conhecem muito mais as escolas públicas do que os gestores do MEC. Se criou uma prática de consultas públicas, mas elas geram muitas sugestões que muitas vezes não partem de uma reflexão. Não dá pra ficar só nisso, tem que envolver os atores chaves para que essa Base tenha sucesso”, frisou.