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"Exigimos a educação pública que nos foi tirada", diz estudante chileno

29 de Junho de 2016 às 09:07:30

José Villarroel é estudante de sociologia da Universidade Alberto Hurtado, uma instituição particular chilena. Ele participou da mesa de abertura do II Encontro Nacional de Educação (ENE), em Brasília (DF), no dia 16 de junho, que teve como tema “Por um projeto classista e democrático de educação, contra o Ajuste Fiscal e a dívida pública”. Após os debates, ele foi entrevistado, e explicou qual a situação da educação no Chile, e como estão as lutas multitudinárias em defesa da educação gratuita universal no país latino-americano. A última manifestação, em 23 de junho, levou, novamente, milhares de estudantes às ruas de Santiago, capital do país. 


Para começar, o que um estudante chileno tem que fazer para acessar a educação superior, e quanto tem que pagar por isso? 


O acesso à universidade no Chile depende da classe social a que o estudante pertence. Há um sistema de ingresso, com uma prova, na qual aqueles que tiveram acesso à melhor educação básica, pois podem pagar por ela, têm melhores resultados, e entram nas melhores universidades. Já os estudantes de uma classe social mais baixa, quando não tem que trabalhar ao invés de estudar, entram nas universidades privadas, e, dentro das privadas, normalmente nas mais precarizadas e de menor qualidade. Os preços são semelhantes nas universidades públicas e privadas. O meu curso, anualmente, custa mais ou menos R$ 15 mil. Ao final de cinco anos, são R$ 60 mil. Eu, particularmente, estudo gratuitamente por conta de uma bolsa. Mas são poucas bolsas, e a maioria delas só cobre parte do custo das mensalidades e não atinge a todas as universidades. Há, ainda, o Crédito com Aval do Estado (CAE), oferecido pelo estado em conjunto com bancos privados, que é a maneira da maioria dos estudantes conseguirem se manter na universidade. Logo, ao fim de cinco anos, além de pagar os R$ 60 mil, os estudantes ainda têm que pagar os juros, o que eleva em mais de R$ 20 mil o custo do curso total.  


Como foi a evolução do processo de lutas dos estudantes chilenos, que começou em 2006 com os secundaristas? Quais eram as reivindicações naquele momento e quais são hoje? 


Há algumas lutas estudantis no início dos anos 2000, mas a mais marcante foi a dos secundaristas em 2006, que é chamada no Chile de “Revolução dos Pinguins” [as cores do uniforme dos estudantes chilenos lembram os pinguins]. Já em 2011, houve a grande mobilização estudantil das últimas décadas no país, que levou às ruas estudantes universitários, secundaristas e a população em geral. O ano de 2011 marca, além do grande número de pessoas nas ruas, um crescimento qualitativo do movimento, com o início da reivindicação por educação gratuita universal, tanto para secundaristas quanto para universitários. Queremos que a gratuidade seja universal, que se aplique a todos os níveis de ensino, para todos os estudantes. Michele Bachellet, presidente do país, tem tentado se apropriar dessa pauta. Uma de suas promessas era a gratuidade, mas o que fez, na verdade, foi criar uma bolsa de estudos. Mas o que queremos é eliminar todos os empresários da educação. Então o ano de 2011 foi importante, porque foi a partir de então que começamos a exigir a educação gratuita universal, criticando a mercantilização da educação por parte dos empresários. Desde então a luta continua. Em 2016, milhares de estudante voltaram a sair às ruas. Nesse momento, por exemplo, muitas universidades privadas se encontram ocupadas, assim como diversas escolas privadas, não só em Santiago, como no interior, para exigir a educação gratuita universal.


Você acompanha, desde muito jovem, as lutas estudantis no Chile. Como foi a evolução de sua consciência nesse processo? O que você aprendeu ao longo desses anos?  


Em 2011 eu ainda estava na escola, e acompanhei o processo. Agora, estou terminando o curso de ensino superior, e ainda não conquistamos a educação gratuita universal, mas o que aprendemos é que a luta não é por nós, e sim pelas futuras gerações. Aprendi, também, que o movimento estudantil sozinho não vai ganhar, que é necessária a aliança com outros setores, com os trabalhadores, e não apenas os trabalhadores da educação. Por exemplo, uma desculpa que todos os governos dão para não garantir a educação gratuita universal é que não dinheiro para tal. Por outro lado, nós, estudantes, afirmamos que, se não há dinheiro, é necessário utilizar os fundos provenientes dos recursos naturais que nosso país tem, como o cobre, que foi privatizado com a ditadura de Pinochet e é o maior produto de exportação do Chile. Então nossa demanda é renacionalizar o cobre para financiar a educação gratuita universal, e, para isso, é necessário que os trabalhadores se mobilizem para renacionalizar o cobre. Muitos dirigentes do movimento estudantil, no entanto, não concordam com essa saída. Parte deles terminou no parlamento, apoiando a campanha e o governo de Bachellet – pois acreditam que é a partir da ocupação dos espaços no parlamento que se conquistará a educação gratuita universal, negando a prioridade da aliança com os trabalhadores.


Desde o meio de 2015, cresceu o movimento de ocupações de escolas no Brasil. Muitos desses estudantes afirmam que têm, como referência, a luta dos estudantes chilenos. Que mensagem você pode deixar para esses estudantes? 


Durante minha estada no Brasil, percebi que as lutas aqui são contra a privatização da educação pública, ao contrário do Chile, onde saímos às ruas para exigir a educação pública que nos foi tirada. Ambas as lutas estão conectadas porque o processo de privatização e precarização da educação não acontece só aqui, ou só no Chile. Acontece em todos os países, México, Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru, etc. É uma política de ajuste do imperialismo a transformação da educação em mercadoria, levada a cabo pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelos governos de cada um desses países. Então a mensagem que passo aos estudantes brasileiros que estão lutando é que a luta é longa, mas seria grande erro não fazê-la. Não conquistamos nada no Chile ainda, mas, se não tivéssemos nos mobilizado durante essa década, estaríamos, hoje, em uma situação muito pior à que nos encontramos.


 


 


Fonte: Andes-SN