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Há cinco anos, um brasileiro com curso superior era pago com 195% a mais do que um jovem com apenas ensino médio. Hoje, a vantagem caiu para 169%. Diferença salarial entre quem conclui ensino médio e o fundamental é quas

04 de Novembro de 2012 às 16:55:11

Vantagem salarial de quem estudou mais está caindo


Salário inicial de quem só tem ensino fundamental quase empata com o de profissionais de nível médio. Uma das razões é a abundância de empregos de baixa qualificação

Fonte: Jornal Gazeta do Povo

FERNANDO JASPER



Em um episódio de Os Simpsons de 2010, Lisa se espanta ao saber que o desajustado Nelson, ganhando muito dinheiro com uma oficina de personalização de bicicletas, planeja abandonar a escola. "Mas você não sabe que as pessoas que não fizeram faculdade ganham 3% menos que as que fizeram?", pergunta ela. Pouco depois, o próprio diretor do colégio se anima a trabalhar na oficina quando descobre o salário que Nelson está pagando.




A piada do seriado tem a ver com os efeitos da crise nos Estados Unidos, mas também ajuda a ilustrar um fenômeno aqui do Brasil: mesmo no mercado formal, o "prêmio" para quem foi mais longe nos estudos é cada vez menor. Uma das razões é a abundância de empregos de baixa qualificação, típica de país que cresce com base no consumo.



Emprego em montadora ficou para depois

Rodrigo Teixeira de Souza, 29 anos, tem ensino médio completo e fez um curso de 160 horas de técnica de soldagem automotiva no Senai, pelo qual pagou R$ 2 mil. Mesmo assim, ainda não conseguiu realizar o sonho de trabalhar na indústria automobilística.

"Já trabalhei na oficina de uma concessionária de veículos, e fiz o curso na esperança de conseguir um salário melhor. Mas as vagas abertas nas montadoras exigiam experiência nessa área de soldagem, o que eu ainda não tenho", conta Souza.

Recém-contratado para a área de logística de uma fábrica na Cidade Industrial de Curitiba (CIC), ele vai receber pouco mais de R$ 1 mil por mês. Aceitou o emprego em uma área diferente da desejada porque não tem como ficar sem trabalhar. Ainda mais agora: seu primeiro filho, Davi, nasceu há pouco mais de uma semana.

Souza diz que planeja fazer mais um curso, de lataria e pintura. E ultimamente vem cultivando a ideia de, no futuro, abrir uma oficina de automóveis no quintal de casa.



Desestímulo

Para o economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio, o achatamento dos salários pode desestimular parte dos estudantes. Afinal, terminar só o ensino fundamental está "rendendo" quase o mesmo que estudar mais três anos e concluir o ensino médio. Por sinal, a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, mostrou que a proporção de jovens de 15 a 17 anos matriculados na escola caiu de 85,2% para 83,7% entre 2009 e 2011.



Há cinco anos, um brasileiro com curso superior era contratado com salário 195% superior ao de quem não passou do ensino médio (antigo 2.º grau); hoje a vantagem é de 169%, em média. Se para quem fez faculdade a recompensa ainda é significativa, o mesmo não se pode dizer da comparação entre ensino médio e fundamental (antigo 1.º grau). Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que, em termos salariais, hoje faz pouca ou nenhuma diferença deixar o colégio no fim do fundamental - os vencimentos estão quase iguais aos de quem estudou três anos mais.

Entre janeiro e setembro de 2007, o salário de admissão de profissionais com ensino médio foi de R$ 602 na média nacional, 8,3% acima do valor pago a contratados com ensino fundamental (R$ 556). Neste ano, os valores chegaram a R$ 923 e R$ 881, respectivamente, uma diferença de apenas 4,8%. No Paraná, onde a vantagem caiu de 6,2% para 4,2% no mesmo período, os trabalhadores com ensino médio admitidos em 2012 recebem em média R$ 37 a mais que quem tem só o fundamental.

"O nome disso é salário mínimo", diz o economista Cid Cordeiro, do Dieese-PR. Graças aos elevados reajustes do benefício, os salários dos menos qualificados subiram mais rápido. De 2007 para cá, o aumento real do mínimo foi de 4,6% ao ano, em média, ante 3,7% para o conjunto dos salários do mercado formal. "Foi uma política com efeitos muito positivos para a economia e a sociedade", avalia Cordeiro.

Para José Márcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos e professor da PUC-Rio, o aumento no número de trabalhadores de nível médio também influenciou. "Se a oferta cresce, o salário tende a ficar mais modesto", diz. Segundo a Relação Anual de Informação Social (Rais), no ano passado 43% dos empregados formais tinham ensino médio; em 2007, eles eram 37%.

Para preencher vagas, empresas estão tendo de exigir menos

Não muito tempo atrás, as empresas exigiam diploma de ensino médio e experiência para tudo quanto é vaga. Até para caixa de supermercado, balconista, frentista de posto de combustível. Mas começou a faltar candidato - e elas foram obrigadas a afrouxar suas exigências. Assim, gente que só cursou o fundamental passou a ser admitida com salários antes reservados a candidatos mais qualificados.

Quem conta é o diretor da Nossa Gestão de Pessoas e Serviços, Emílio Morschel. "Até um ano atrás, havia muito candidato com ensino médio. Mas isso acabou. Hoje as empresas já aceitam funcionário com ensino fundamental e sem experiência. Caso contrário, não preenchem as vagas", diz. "Além disso, a rotatividade é muito grande na faixa que vai do mínimo regional [a partir de R$ 783] até uns R$ 1,2 mil."

Foi assim que, mesmo tendo apenas o fundamental e nenhuma experiência no mercado de trabalho, que Francine Barbosa Juliano, 18 anos, conseguiu o primeiro emprego, como auxiliar de produção em uma fábrica de biscoitos. Ela conta que parou de estudar quando seu filho, Júlio César, nasceu, há pouco mais de dois anos. "Quero voltar a estudar. Mas só mais para a frente", diz.

Estratégia

A aproximação dos salários, avalia Morschel, também pode ser consequência das campanhas dos grandes sindicatos. Além de brigar por aumentos lineares acima da inflação, eles têm buscado, com sucesso, reajustes dos pisos salariais. "É uma estratégia. Logo o operador de produção vai ganhar quase o mesmo que o líder de turno, que por sua vez se aproxima do supervisor. Para não perder os mais qualificados, cedo ou tarde a empresa terá de elevar os salários deles também."