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BNCC: sob nova direção

02 de Junho de 2016 às 09:09:54

A nova equipe do MEC vai fazer uma “intervenção” no processo de condução da base nacional comum curricular e vai alongar a discussão nos Estados com vistas a terminar a base até o final do ano. O que conta agora, são os seminários estaduais que deverão, a título de aprimoramento, gerar uma terceira proposta – ao sabor da nova equipe.


Pela fala da Secretária Executiva do MEC, a Secretaria de Educação Básica assume, via UNDIME e CONSED, a elaboração de uma terceira versão da proposta da base a qual, de fato, seria examinada pelo CNE. Este é um processo, a meu ver, de intervenção do MEC para “corrigir” os rumos do que vinha sendo feito até agora e adequar a base ao enfoque dos novos ocupantes do ministério. A própria Maria Helena admite que tinha discordâncias com o processo de construção que estava em curso – tudo em nome da pluralidade, é claro. Quem não se lembra da estratégia plural de Paulo Renato Costa Souza.


A informação foi dada na abertura, hoje, do Seminário da Comissão de Educação da Câmara (veja programação aqui). O desenvolvimento do evento, ao longo do dia de hoje, deixa claro a tentativa dos conservadores de assumir o controle da aprovação da Base Nacional Comum Curricular pela Comissão de Educação do Congresso, retirando-a do Conselho Nacional de Educação, de forma a submetê-la a uma visão profundamente retrógrada. A disputa, aqui, é entre conservadores e liberais que estão no governo interino.


A proposta de Maria Helena pode trazer algum alívio às pressões que os conservadores estão fazendo sobre a atual proposta de base nacional comum, sem que os liberais do PSDB percam o controle de sua condução.


Assista aqui (parte da manhã) e aqui (parte da tarde) o video do Seminário da Câmara.


O ponto alto em que este conflito se manifesta é mais claro na Mesa 3, sobre a BNCC e as Ciências Humanas. Com o vice presidente do “Escolas sem Partido”, com a presença de Bolsonaro, Revoltados on Line, Arnaldo Faria de Sá e outros no plenário, os argumentos se sucederam durante os debates. Bolsonaro, chamou a plateia que discordava dele de “idiotas” e “analfabetos”.


Pela manhã, já aparecia este processo de enfrentamento. Para alguns oradores, não houve participação suficiente na elaboração da base. A FENEP – Federação das Escolas Privadas – presente ao evento, considerou que ficou de fora da elaboração da base. Outros acham que devemos olhar para os países desenvolvidos e copiar as melhores práticas. Daniel Cara explicou porque estava comparecendo e solicitou que as entidades educacionais sejam convidadas a participar do debate do Seminário. Discordou claramente da proposta do movimento “Escola sem Partido”.


A mesa 3, à tarde, visou desconstruir a atual proposta de base nacional. Penso que de fato, este era o propósito do Seminário já que sobre a BNCC pouco se examinou de fato, em falas cuja duração esteve em torno de 15 minutos para cada orador.


Nesta mesa, houve quem considerasse que a atual proposta de base foi construída com uma “epistemologia marxista e um método crítico cultural”. “Quais as intenções políticas para o nosso futuro democrático com esta base?” Indagavam. “Não devemos ter pressa, a quem interessa essa base?” “A base pode até mudar o regime político da nação” – diz outro. E já está “orientando livro didático que fala da revolução cubana”. Portanto, o “Congresso deve chamar para si a aprovação da base”.


O Congresso deve intervir porque, em primeiro lugar, garantirá que haja diversidade de pensamento, e não o exclusivismo político ideológico da mesma. E há “declarações do CNE que são favoráveis a esta base”. Além disso, a ideologia de gênero foi rejeitada no Congresso, mas o CNE, que vai aprovar a BNCC, fez uma carta pública direcionada ao país censurando o congresso nacional e recomendando que incluíssem em seus planos estaduais e municipais a ideologia de gênero.


Além disso, há suspeita de que a BNCC fere o pacto federativo pela sua amplitude e é unilateral ideologicamente – conclui um palestrante. Agregue-se ainda que há uma tendência de esquerda na base nacional proposta, pois divulga a tese de que o capitalismo gera desigualdade. A base nacional de fato não trata de ideologia de gênero, mas isso é só uma forma de escamotear a sua inclusão – diz um palestrante.


Uma das perguntas nos debates, enviada por um participante, é clara: “Porque a BNCC não deveria passar pelo Congresso? Foi feita por partidários de uma ideologia de esquerda. O CNE não nos representa.”


Pode-se notar que esta preocupação coincide com artigo de Miguel Nagib coordenador domovimento Escola Sem Partido, publicado em janeiro de 2016:



“Ora, por mais ilibada que seja a reputação desses conselheiros e relevantes os serviços por eles prestados à educação – no juízo de quem os nomeou, obviamente –, a atribuição desse poder descomunal ao CNE definitivamente não combina com as noções mais elementares de autogoverno e democracia.


A quem prestam contas esses servidores, afinal? Ao povo que não é; ou não teriam emitido, no ano passado, uma nota pública de censura endereçada às assembleias legislativas e às câmaras de vereadores – e, implicitamente, também ao Congresso Nacional – por haverem excluído a ideologia de gênero dos planos estaduais e municipais de educação; nem declarado, na mesma nota, em tom de desafio, que as Diretrizes Nacionais de Educação, a serem por eles elaboradas, estarão “voltadas para o respeito à diversidade, à orientação sexual e à identidade de gênero” – donde se conclui, senhores deputados e senadores, que, se depender do CNE, “vai ter gênero” na BNCC.”



Mendonça deve estar sob pressão dos conservadores, até de seu próprio partido.


Há algumas semanas divulguei preocupação do Ministro Mendonça com as nomeações feitas por Mercadante para o Conselho Nacional de Educação (CNE), onde se via que eleestava procurando justificativa jurídica para rever as nomeações feitas para aquele órgão.


O MEC tem várias opções – isoladas ou combinadas – para reorientar a base nacional e atender às pressões: transferir a versão final para o Congresso como querem os conservadores; mudar os membros do CNE se for possível juridicamente; ou manter a discussão no CNE com os mesmos membros atuais, emparedando o Conselho a partir de uma nova versão da UNDIME/CONSED, feita sob coordenação da SEB do MEC. Melhor ainda se puder combinar as duas últimas. A transferência para o Congresso deixa o MEC sem controle direto e pode levar muito tempo, portanto não deverá ser reforçada. Além de levantar questões jurídicas. O CNE, apesar de convidado, não compareceu ao Seminário da Câmara de hoje.


Há divergências dentro da Comissão entre Rogério Marinho (PSDB) e a Professora Dorinha (DEM) quanto a enviar ou não para o Congresso a Base Nacional. Rogério acha que deve passar pelo Congresso e Dorinha não. Dorinha e Maria Helena são antigas conhecidas. O processo posto em marcha pelo MEC dá mais tempo e deve visar colocar fim a esta disputa entre liberais e conservadores, criando um campo de entendimento que dê maior conforto a ambas forças políticas para elas conformarem a nova proposta.


Na mesa 4, ensino médio, uma carta da ANPED foi lida por uma das palestrantes. Nesta, a entidade mostrou sua indignação pelo privilegiamento de grupos ideológicos que participaram do evento, em detrimento das entidades educacionais que ficaram de fora. O novo Secretário de Educação Básica também participou desta mesa. Segundo ele o “debate da base do ensino médio não pode ser feito sem discutir o modelo de ensino médio”com percursos diferenciados (flexibilização das saídas), como tem proposto o CONSED, inclusive questionando a posição dos conteúdos em relação à educação fundamental.


A organização do seminário diz que provavelmente farão outro onde as entidades que não foram convidadas desta vez, poderão estar presentes. No entanto, o processo agora está sob controle da SEB do MEC até o final do ano e o local da discussão passa a ser nos estados, via UNDIME e CONSED, para que seja produzida uma nova proposta.


 


Fonte: Avaliação Educacional