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A vida dos estudantes americanos com dívidas acima dos R$ 500 mil

17 de Agosto de 2016 às 14:36:28

A dívida estudantil nos Estados Unidos alcançou US$ 1,3 trilhão neste ano, o equivalente a 70% do PIB brasileiro em 2015


Formada e pós-graduada em duas das melhores universidades americanas, Carolyn Chimeri imaginava que teria uma vida mais confortável que a de seus pais, que jamais foram para a faculdade.


Após completar o ensino superior, porém, ela acumulou uma dívida de US$ 238 mil (R$ 754 mil) e hoje rala para quitar as prestações com um salário de professora, aos 29 anos de idade.


"Eu e meu marido brigamos o tempo todo por dinheiro, pensando em como sobreviver, pagar as contas e viver como pessoas comuns em Nova York", ela diz à BBC Brasil.


Dívidas como a de Chimeri, que alcançam os seis dígitos, não são incomuns nos Estados Unidos, país onde há poucas universidades gratuitas e cerca de 70% dos estudantes recorrem a empréstimos para custear o ensino superior, segundo o governo americano.


Dados oficiais indicam que a dívida estudantil no país alcançou US$ 1,3 trilhão neste ano - o equivalente a 70% do PIB brasileiro em 2015. Esse montante, segundo o Federal Reserve, o Banco Central Americano, é devido por 43,3 milhões de pessoas.


Já no Brasil a oferta de crédito para estudantes é bem menor e foi reduzida durante a crise: o maior programa federal de financiamento estudantil, o Fies, ofereceu 222 mil linhas de crédito neste ano, que cobrem menos de 10% do total de matrículas anuais em universidades.


Chimeri se endividou pela primeira vez para se formar em história e ciência política na Penn State, universidade pública na Pensilvânia. Nos EUA, mesmo universidades públicas costumam ser pagas, com algumas custando até U$ 40 mil ao ano (em universidades privadas, o valor pode chegar a US$ 70 mil, ou R$ 223 mil).


Após se formar, ela pegou outro empréstimo para um mestrado na Universidade Columbia, em Nova York, acreditando que o diploma lhe garantiria melhores empregos e a chance de quitar o débito com mais rapidez.


Ela diz que seus pais haviam se oferecido para pagar o primeiro empréstimo, mas a crise econômica global complicou a família e fez com que ela assumisse a dívida.


Chimeri foi contratada como professora numa escola pública em Nova York, mas, mesmo pagando parcelas todos os meses, diz que a dívida pouco diminuiu por causa dos juros de 8% ao ano.


Para cortar despesas, mudou-se com o marido para a casa da avó dele e, na melhor das hipóteses, espera quitar os débitos por volta de 2030.


"Não posso comprar uma casa nem começar uma família - sinto que estou parada nos meus 20 e poucos anos", lamenta.


Ansiedade e depressão


A ONG Student Debt Crisis (crise da dívida estudantil), que tenta reformar o sistema de financiamento estudantil nos EUA, compilou vários depoimentos de ex-alunos com dívidas na casa dos seis dígitos.


Uma advogada recém-formada e desempregada na Califórnia com dívida próxima a US$ 400 mil se diz "ansiosa e deprimida" com a perspectiva de jamais conseguir quitar o valor.


Uma ex-estudante em Montana afirma que, por causa dos juros, o empréstimo de US$ 30 mil que pegou para completar a faculdade em 1993 hoje alcança US$ 300 mil, embora jamais tenha deixado de pagar parcelas.


Diretora da Student Debt Crisis, Natalia Abrams diz à BBC Brasil que algumas pessoas com grandes dívidas ficam devendo pelo resto da vida. Segundo ela, 20% dos americanos com mais de 50 anos têm dívidas estudantis.


Mas ela afirma que os mais vulneráveis não são necessariamente quem deve mais, e que um dos grupos mais afetados são devedores que não conseguem completar a faculdade. Muitos largam o curso para trabalhar e atender a alguma demanda mais urgente, como os custos de um tratamento médico ou de um filho recém-nascido.


Sem o título universitário, não conseguem pleitear maiores salários e deixam de pagar a dívida, ficando impedidos de pegar outros empréstimos.


Abrams diz que os alunos das melhores universidades dos EUA - como Harvard, Stanford e Yale - não costumam ter dívidas muito grandes, já que essas instituições são frequentadas por membros da elite americana (capazes de custeá-las sem empréstimos) e concedem bolsas aos estudantes mais pobres.


Carolyn Chimeri


Dívidas como a de Carolyn Chimeri (acima), que alcançam os seis dígitos, não são incomuns nos EUA


Os mais endividados, segundo ela, estudam em universidades que buscam o lucro ("for-profit"). Essas instituições são minoritárias nos EUA, mas vêm se multiplicando e costumam ter avaliações mais baixas que universidades públicas ou sem fins lucrativos.


Para Abrams, o governo federal - responsável pela maior parte do crédito estudantil nos EUA - não deveria cobrar juros sobre esses empréstimos. Hoje os juros, definidos pelo Congresso americano, variam entre 3,76% e 6,31% ao ano.


No Brasil, os juros do Fies são de 6,5% ao ano. O programa brasileiro só é oferecido a famílias com renda de até dois salários mínimos e meio (R$ 2.200).


Abrams defende ainda que sejam ampliados os programas de perdão de dívidas e que todos os americanos possam cursar os dois primeiros anos de faculdade gratuitamente em universidades públicas.


A proposta integrava o plano de governo do ex-candidato democrata à presidência Bernie Sanders e foi parcialmente incorporada pela candidata Hillary Clinton. Ela restringiu a oferta de ensino superior gratuito aos estudantes com renda familiar de até US$ 125 mil ao ano.


Para Carolyn Chimeri, a professora que deve R$ 754 mil, estudantes devem ser melhor orientados antes de contrair empréstimos que afetarão boa parte de suas vidas.


Ela diz que, se soubesse do impacto que a dívida teria em seu dia a dia, provavelmente teria cursado universidades mais baratas.


"É doloroso pensar em como minha geração poderia estar contribuindo com a sociedade não fosse por essa carga enorme", afirma.


 


Fonte: BBC