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Os 7 bilhões de humanos Pra onde vai esse trem? Entrevista com Ralph Hakkert, demógrafo da ONU

31 de Outubro de 2011 às 14:51:22

Amanhã, fim de mês, a ONU fecha a conta do mundo em 7 bilhões de habitantes. E abre outra logo em seguida, estimando que vêm mais 8 bilhões por aí até 2100. Só depois seria possível passar a régua e dizer que a população se estabilizou.


A reportagem e a entrevista é de Juliana Sayuri e Mônica Manir e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 30-10-2011.

O holandês Ralph Hakkert é demógrafo do Fundo de População das Nações Unidas. Pelo que tem observado de seus voos pelo planeta, é mais otimista: por volta de 2050 a coisa se acomoda em torno dos 9 bilhões. Não só porque as mulheres terão mais acesso aos métodos contraceptivos, mas porque a África passará por um processo muito acentuado de urbanização, o que deve desencorajar a fecundidade do continente mais animado a se multiplicar.

Hakkert estava em Nairóbi, capital do Quênia, para dar um workshop sobre métodos de estimativa demográfica. O país já foi considerado o de mais alta fecundidade no mundo, com uma média de 8,11 filhos por mulher. Hoje está na casa dos 4,62, um número ainda disparatado, especialmente quando se leva em conta que metade da população mora em países onde a fecundidade se encontra abaixo do nível de reprodução, com 1,8 filhos.

"O Brasil está nessa faixa, ou seja, as pessoas têm menos filhos do que precisariam para repor as gerações", explica. Mas pergunta: "Até que ponto o Estado pode interferir na vida privada da população para conseguir um ou outro comportamento reprodutivo?" Da sua, ele já sabe: quer unir de novo a família, separada pelo trabalho. Em Brasília moram sua mulher e o filho mais velho. Em Nova York, ele divide um apartamento com o mais novo. Em 2013 esse demógrafo de 59 anos que foi pesquisador do Núcleo de Estudos da População (Nepo), da Unicamp, e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) quer se aposentar. E morar no Brasil, que, segundo suas previsões, em duas décadas será um dos polos de atração do intenso processo migratório mundial.

Como tende a se comportar a população mundial até o final deste século?

Ainda serão acrescentados 1 ou 2 bilhões de pessoas ao número total. Mas já há sinais claros de que o comportamento da população está mudando e esse crescimento ficará mais lento. Em algum futuro previsível, vai parar. Haverá uma estabilização.

E será por volta de 2040?

Não, acredita-se que será mais tarde. Há uma agência na ONU chamada Divisão de População que, a cada dois anos, faz estimativas sobre como a população vai se desenvolver. Em 2008, ela projetou que o crescimento iria parar em 2040, 2045. Neste ano de 2011 fizeram uma revisão e agora são mais pessimistas. Acham que o crescimento vai continuar por mais tempo, só deve parar por volta de 2100.

O senhor concorda com a nova projeção?

Sou um pouco mais otimista. Aposto que a população vai se estabilizar por volta de 2050, mas é muito difícil fazer projeção de longo prazo sobre isso. Quando você tem uma hipótese um pouquinho diferente sobre o ritmo de redução da fecundidade, pode chegar a conclusões bem diversas. Essa é uma arte bastante sensível.

O que o leva a achar que a redução da fecundidade será mais rápida?

Primeiro, a urbanização. Segundo, o nível de acesso que as mulheres têm à saúde reprodutiva e aos métodos contraceptivos. Terceiro, as oportunidades que surgem para as mulheres no mercado de trabalho, o que as estimula a ter menos filhos.

Por que a fecundidade tende a diminuir com a urbanização?

Um famoso demógrafo australiano, John Caldwell, desenvolveu o seguinte argumento: nas sociedades tradicionais, principalmente as rurais, o fluxo de riqueza entre gerações é predominantemente dos filhos para os pais, ou seja, os pais precisam investir pouco nos filhos em termos de educação, capital humano, mas existe um fluxo de riqueza dos filhos porque eles começam a trabalhar desde cedo, contribuem para a renda da família e sustentam os pais na velhice. Então, numa sociedade tradicional rural, é bom negócio ter muitos filhos. Já a economia urbana se baseia muito na educação como instrumento de ascensão social. Também existe menos necessidade de se procriar para ter segurança na velhice na medida em que existe maior cobertura do sistema de aposentadorias. Na economia urbana moderna, portanto, o fluxo de riqueza é mais de pais para filhos.

Como se lida com barreiras culturais quanto ao planejamento familiar? Na África Subsaariana elas são muito fortes, não?

Sim, as pessoas na África Subsaariana querem muitos filhos porque isso é visto como fonte de riqueza. Mas isso tende a mudar. A África é o continente que terá o maior ritmo de urbanização nas próximas décadas. Isso impactará o crescimento das populações. Elas vão depender de mais atividades econômicas urbanas e as mulheres terão mais oportunidades de trabalho. Mas veja outros fatores, como a religião. Antigamente se dizia que ela favorecia a existência de famílias grandes. Contudo, os países de fecundidade mais baixa no mundo, Itália e Espanha, são predominantemente católicos. No Irã, apesar da força da cultura muçulmana, houve uma queda recente e rápida.

Quais são os países de maior fecundidade?

Os da África, como o Níger, onde as mulheres ainda têm seis filhos. Uganda, Burquina Faso e Máli não ficam atrás. Mencionaria também a Tanzânia, e o Afeganistão.

E a América Latina? Como o senhor avalia a taxa de fecundidade do continente?

A América Latina tem tido uma transformação muito forte nesse sentido também. Um dos casos principais é justamente o Brasil. No final dos anos 60, a taxa de fecundidade no País era da ordem de cinco, seis filhos por mulher. Hoje a taxa está abaixo de dois. Ou seja, as pessoas no Brasil nem têm o número de filhos que precisam para se reproduzir. O Chile também tem uma fecundidade muito baixa, assim como Cuba e Trinidad e Tobago. Os únicos que ainda mantêm uma fecundidade elevada são Guatemala, Honduras e Nicarágua, com uma média de três filhos por mulher.

As sociedades idosas podem se tornar um peso para a geração de filhos únicos?

Há alguns países em que o envelhecimento será um problema bastante sério no futuro, e não falo só dos mais desenvolvidos. Na China, a diminuição da fecundidade foi muito brusca. Lá a média é de 1,5 filho por mulher. A sociedade chinesa não está organizada para o envelhecimento porque os chineses ainda esperam que os filhos cuidem dos pais. Isso será cada vez mais difícil, inclusive porque haverá um grande número de pessoas que ficarão velhas sem filhos. No Brasil, a seguridade social é relativamente ampla. Na China não existe isso.

Qual país tem a maior expectativa de vida?

O Japão. A média de vida deles é de mais de 80 anos. Mas veja que o que determina o envelhecimento de uma população não é tanto a expectativa de vida, mas a baixa fecundidade, de menos de dois filhos. A população vai envelhecer de qualquer forma, mesmo que a esperança de vida não seja tão alta, como na China.

No último relatório da ONU, a questão da fecundidade foi deslocada dos fatores econômicos e sociais para os direitos humanos. Como o senhor vê essa transposição?

Os direitos reprodutivos se encaixam no conceito de direitos humanos. As pessoas têm o direito de ter o número de filhos que desejam. Isso foi uma resolução que se tomou na Conferência Mundial do Cairo, em 1994, na qual se consagrou a ideia de que a decisão sobre a fecundidade pertence a cada mulher, a cada casal. A obrigação do Estado é dar às pessoas meios que lhes permitam exercer seu direito de opção sobre o número de filhos que desejam. Mas metade da população mundial já mora em países em que as pessoas têm menos filhos do que precisariam para repor as gerações. Acabo de voltar da Armênia, onde já se oferece bônus para os casais. A Mongólia também subsidiou o nascimento de crianças. Daí surge a discussão: até que ponto o Estado pode interferir na vida privada das pessoas para conseguir que tenham um ou outro comportamento reprodutivo?

A desigualdade econômica entre os países tende a aumentar? Os pobres serão ainda mais pobres? E os ricos serão em menor quantidade, mas ainda mais ricos?

É uma pergunta difícil. Você precisa perguntar isso a um economista. Se por um lado existe a tendência de uma maior desigualdade nos países mais desenvolvidos, por outro há o crescimento explosivo de países em desenvolvimento. Estou muito impressionado com o que está acontecendo com a China. Tive um estagiário chinês trabalhando comigo durante o verão e, ao ouvi-lo falar sobre as mudanças no ambiente familiar e dos amigos, fiquei com a nítida sensação de que a China vai explodir economicamente, o que vai mudar as relações no mundo. Ao mesmo tempo, não sabemos qual vai ser o resultado disso. Pra dizer a verdade, não acredito muito que a pobreza vá aumentar. Em nível mundial, em termos de porcentuais, ela vai diminuir, mas será um processo um pouco contraditório. Em alguns países pode haver pobreza, como nos EUA, onde moro e vivencio essa discussão o tempo todo. Fala-se que, daqui a 20, 30 anos, Brasil e EUA terão níveis de desigualdade parecidos.

O Ocupem Wall Street mostra que as pessoas já se deram conta disso?

Existe uma percepção de que o sistema econômico não é justo. A crise de 2008 foi vista como uma crise de credibilidade do sistema capitalista nos EUA, mas na Europa também. As pessoas estão se sentindo inseguras, percebem que não há igualdade de oportunidades. A geração atual de jovens americanos provavelmente será a primeira, desde a 2ª Guerra Mundial, a ter uma vida econômica mais difícil que a de seus pais. E essa insegurança se reflete na polarização política. Enquanto há gente ocupando Wall Street para dar vazão à insatisfação, há segmentos conservadores da classe média que acham que tudo se resolve se voltarem aos valores capitalistas de antes.

Muitos têm relacionado as ondas rebeldes no Oriente Médio aos mais jovens, que seriam mais instruídos. Os jovens são mesmo os protagonistas das mudanças?

Sim e não. Sim no sentido de que a Primavera Árabe reflete a crescente frustração dos jovens com as poucas oportunidades econômicas, sociais e políticas que seus países oferecem. Isso tem muito a ver com o rápido crescimento do nível de instrução nesses lugares. Egito, Irã e Síria têm investido muito na educação, o que não tem sido acompanhado de uma expansão das oportunidades. Agora, alguns dizem que os acontecimentos no Oriente Médio têm a ver com o grande contingente de jovens nesses países. O número de jovens nesses países, como porcentual da população com mais de 15 anos, não é excepcional neste momento. Essa proporção já foi até maior.

As pessoas mais ricas do mundo são as que mais emitem dióxido de carbono. O que ameaça mais o mundo - o número de pessoas ou o estilo de vida que levam?

A curto e médio prazo, é mais o estilo de vida. Se supusermos que o estilo de vida se manterá constante e observarmos onde o maior crescimento de população vai ocorrer, ou seja, nos países menos desenvolvidos, principalmente na África, o impacto que isso terá sobre a emissão de dióxido de carbono será relativamente pequeno. Por outro lado, sabemos que haverá certo crescimento da população nos EUA e no Canadá. O efeito disso sobre a emissão de dióxido de carbono será muito maior porque o nível de consumo per capita de dióxido de carbono é grande nesses países. Mas, a longo prazo, o crescimento populacional terá um impacto porque os países que apresentam um baixo nível de consumo e emissão de dióxido de carbono não ficarão eternamente nessa situação. Haverá um impacto enorme se todos os chineses tiverem um carro, como têm os americanos.

Entrevista com o ambientalista Lester Brown, mencionou a subida drástica dos preços dos grãos e a dificuldade dos países importadores de se manter contando só com o mercado. Daí que China, Arábia Saudita e Coreia do Sul começaram a comprar ou arrendar terra em outros países, particularmente na África, para produzir alimentos para si próprios. O senhor está em Nairóbi. Essa discussão chegou até aí?

Existe um conceito, que provavelmente Lester Brown mencionou, que é a ideia de que alguns países na realidade possuem uma área de influência muito maior do que a área física que ocupam no globo. O país de que sempre se lembram nesse contexto é o meu, a Holanda. É uma nação pequena, tem 16 milhões de habitantes dentro de uma área que corresponde ao Estado da Paraíba. Mas, pelo fato de participar de intenso comércio internacional, a área do planeta que ocupa é muito maior. Então, quando as pessoas argumentam que toda a população mundial poderia se sustentar com a mesma densidade demográfica da Holanda, esquecem que na realidade a densidade da Holanda pode ser alta porque ela indiretamente se apropria de uma terra muito maior do que a que ocupa. O argumento de que existem países de alta densidade demográfica sem que isso signifique um problema não se sustenta. Não seria possível que todos os países do mundo tivessem uma densidade demográfica tão alta.

Como se comportarão os países diante dos processos migratórios? As sociedades serão mais xenófobas ou tolerantes?

A contradição vai se acentuar. Um exemplo? A situação da Espanha. Se existe ali um desemprego juvenil muito elevado, de 40%, ao mesmo tempo há uma afluência de jovens latino-americanos para pegar os empregos que os espanhóis não querem. Objetivamente, eles não estão roubando o espaço dos espanhóis, mas as coisas nem sempre são percebidas dessa forma. As pessoas veem que há cada vez mais estrangeiros trabalhando no país, então têm uma reação contrária às vezes irracional. Isso também se vê nos EUA com relação aos mexicanos. Certamente haverá uma barreira de xenofobia, mas qual dos lados vai ganhar não está tão claro assim.

Um dado divulgado pela ONU é que 214 milhões de pessoas estarão vivendo fora de seus países de origem. Parece que o lado dos estrangeiros tende a ganhar...

Esse número é real e ainda vai aumentar. Eu dizia que cheguei de uma reunião na Armênia onde havia pessoas estudando a região. Num país como o Tajiquistão, existem tantos cidadãos morando fora que mais ou menos 30% do PIB daquele país é dos migrantes que mandam dinheiro para familiares. E temos casos na América Latina que se aproximam disso. Uma parcela significativa do PIB da Nicarágua, 15%, 20%, corresponde a remessas de migrantes.

O Brasil vai se tornar cada vez mais um polo de atração nesse processo?

Apesar da migração de bolivianos, o Brasil ainda não é um polo de atração muito forte. Mas daqui a uma ou duas décadas tende a ser. A Costa Rica tem uma migração muito significativa de nicaraguenses, o México recebe gente da Guatemala, de Honduras. Claro que muitos desses migrantes passam pelo México para ir para os EUA, mas muitos ficam.

O senhor tem uma pesquisa sobre o movimento migratório brasileiro na última década, mostrando como nordestinos ainda jovens têm voltado para a cidade de origem. Há um movimento interno semelhante acontecendo em outros países?

Aquele movimento migratório que ia do Nordeste para o Sudeste realmente se reverteu, não porque hoje haja mais empregos no Nordeste, mas por causa de uma infraestrutura melhor que aquela de 20, 30 anos atrás. Se está acontecendo em outros países? Logo depois da queda do Muro de Berlim, em 1989, muita gente saiu da Polônia, da Romênia, da Bulgária, da Geórgia e da Armênia para ir para o oeste. Atualmente essa situação está um pouco diferente. Agora é uma migração entre países da mesma região. Por exemplo, muita gente está saindo de países como Tajiquistão, Turcomenistão ou países da Ásia Central em direção à Rússia.

Apesar do autoritarismo russo com relação às minorias?

Sim, assim como houve uma tendência de migração da Europa e da Ásia Central para a China. Lembro o fenômeno das garçonetes russas nos restaurantes chineses. Quando as pressões econômicas são suficientemente fortes, as pessoas se dispõem a sofrer certas privações do ponto de vista social e político se com isso percebem a possibilidade de melhorar seu status a longo prazo. Lidamos com isso muito mais facilmente, principalmente quando se trata de uma situação temporária.